VEÍCULOS ELÉTRICOS CHINESES PÕEM MONTADORAS EUROPEIAS EM ALERTA

Frankfurt – O nome MG costumava ser sinônimo de carros esportivos na Grã-Bretanha. Hoje em dia, o icônico distintivo octogonal serve a um tipo diferente de ambição: a tentativa da China de ampliar sua atuação no mercado global de automóveis.

A Saic Motor, uma das quatro grandes montadoras chinesas, comprou a marca MG em 2007 e a está estampando em uma linha de SUVs elétricos à venda na Alemanha e em outros mercados europeus. A MG é um exemplo de como as montadoras chinesas estão explorando a mudança para carros elétricos com o objetivo de desafiar as empresas americanas, europeias e japonesas que há muito dominam a indústria.

As montadoras chinesas vêm chegando à medida que os carros elétricos aumentam em popularidade, representando quase dez por cento das vendas de veículos novos na Europa Ocidental, e os consumidores querem comprar, porque suas economias se acumularam durante a pandemia. Ao mesmo tempo, os fabricantes de automóveis reduziram a produção por causa da escassez de microprocessadores.

A MG já possui 350 revendedores em 16 países europeus e continua se expandindo. Duas outras montadoras chinesas, a Nio e a BYD, estão vindo para a Europa por meio da Noruega, o mercado de carros de grande porte mais eletrificado do mundo.

A Nio, com sede em Xangai, abriu uma concessionária em Oslo, na Noruega, no fim de setembro, a primeira loja da empresa fora da China. A BYD, com sede em Shenzhen, entregou um SUV elétrico chamado Tang ao primeiro cliente norueguês em agosto.

A Great Wall Motor, outra fabricante chinesa, anunciou planos para começar a vender um compacto movido a bateria e um SUV híbrido na Europa no ano que vem.

A Polestar, com sede na Suécia, mas pertencente à Geely Holding da China, vende um modelo chinês movido a bateria na Europa e nos Estados Unidos desde 2020. E muitos dos Teslas nas estradas europeias foram importados da fábrica da empresa em Xangai. (Isso mudará quando a empresa terminar de construir uma fábrica perto de Berlim.)

Montadoras estrangeiras como a Volkswagen, a Mercedes-Benz ou a General Motors vendem milhões de carros na China, de modo que dificilmente podem reclamar quando montadoras chinesas invadem seu território. Embora a China seja o maior mercado de automóveis do mundo, suas marcas têm apenas uma fatia do mercado internacional. Mesmo os consumidores chineses preferem marcas estrangeiras, embora as montadoras locais estejam crescendo rapidamente e tenham capturado mais de 40 por cento do mercado interno.

Ainda assim, o aparecimento de automóveis chineses na Europa é outro sinal sinistro para as montadoras estabelecidas, que já estão tendo problemas suficientes para fazer a transição de motores de combustão interna para bateria. As chinesas também têm os Estados Unidos na mira, embora seu impacto até agora tenha sido mínimo. A Eslováquia fornece mais carros para o mercado americano do que a China.

As montadoras chinesas aprenderam com as empresas europeias que agora estão desafiando. Pequim há muito exige que as empresas estrangeiras operem por meio de joint ventures com as nacionais e compartilhem know-how.

A Saic, dona da MG, é parceira da Volkswagen na China desde 1984. Agora, a MG chega ao coração da Volkswagen. A empresa está anunciando seu ZS, um SUV elétrico compacto, a um preço inicial de 30.420 euros (cerca de US$ 35.400). Quando os incentivos governamentais para veículos elétricos são incluídos, o carro pode ser adquirido por cerca de 24 mil euros, quatro mil euros a menos que a versão mais barata do SUV elétrico compacto da Volkswagen, o ID.4. “O sous chef está abrindo um restaurante próprio”, comparou Matthias Schmidt, analista em Berlim que acompanha o mercado europeu de carros elétricos.

A MG informou em comunicado que sua cooperação com a Volkswagen permanece como uma “parceria estratégica em que todos ganham”.

A Europa é um mercado notoriamente difícil para as montadoras estrangeiras. Basta perguntar à Ford Motor, que tem apenas quatro por cento do mercado da União Europeia, ou à Toyota, que tem pouco mais de seis por cento, apesar de seu peso no resto do mundo.

Tentativas anteriores das montadoras chinesas de invadir a Europa falharam. Em 2013, a startup Qoros anunciou planos para uma rede de concessionárias na Europa, mas abriu apenas uma.

O momento pode ser melhor desta vez. As vendas de carros elétricos, a tecnologia que os chineses estão enfatizando, dobraram desde 2020 na Europa, apesar de uma queda no mercado global. Cerca de nove por cento dos carros novos vendidos na Europa Ocidental até agosto, ou 644 mil veículos, são movidos a bateria, afirmou Schmidt. Incluindo os híbridos, a participação dos veículos elétricos foi de 18 por cento.

A demanda por veículos elétricos acessíveis superou a oferta, segundo Julius Emrich, revendedor em Bietigheim-Bissingen, na Alemanha, ao norte de Stuttgart. “Muitas pessoas estavam interessadas, mas não havia produto, pelo menos não o produto com um preço normal.”

Quando um representante da MG lhe enviou um e-mail perguntando se ele queria ser um revendedor, Emrich respondeu: “Era exatamente o que eu estava esperando.” Ao contrário da maioria das montadoras tradicionais, a MG não exigiu que ele comprasse os veículos antecipadamente, oferecendo a opção de venda consignada.

Não se sabe se os exigentes consumidores europeus comprarão um carro chinês. Quando um representante da MG procurou a Rumpel & Stark, concessionária da Ford na cidade de Unterpleichfeld, no norte da Baviera, para falar sobre as vendas da marca chinesa, o gerente-geral, Bastian Stark, estava cético. Ele pediu que o representante entregasse as chaves do MG que estava dirigindo.

Os mecânicos da Rumpel & Stark fizeram uma análise minuciosa no MG. O veredicto: aprovado. “Eles disseram que o carro é bom”, informou Stark, observando que está equipado com peças de fornecedoras estabelecidas como a Bosch, a Valeo e a Continental, todas com grandes operações na China.

A Rumpel & Stark concordou em adicionar os MGs ao seu showroom e vendeu três híbridos antes mesmo de colocar uma placa. Os compradores foram atraídos pelo preço e pelo tempo de entrega relativamente curto. “Nem precisei divulgar”, garantiu Stark.

O mercado europeu está faminto por veículos por conta da escassez global de semicondutores. O tempo de espera por um híbrido da MG é de apenas quatro semanas, e três meses para um modelo totalmente elétrico, “o que é bastante aceitável em comparação com outras marcas agora”, afirmou Stark.

Embora o mercado possa estar maduro para receber os carros elétricos chineses, o momento político pode não ser o ideal. Muitos líderes europeus compartilham a preocupação de seus homólogos americanos com as práticas comerciais chinesas, acusando Pequim de subsidiar as empresas para lhes dar uma vantagem desleal na concorrência internacional. O governo chinês tem investido fortemente em tecnologia de veículos elétricos, ajudando a estabelecer uma vasta rede de fornecedores para alimentar os fabricantes.

Depois das eleições nacionais de setembro, líderes políticos alemães estão negociando para formar um governo que provavelmente incluirá o Partido Verde, que favorece uma linha mais dura contra a China do que Angela Merkel, a chanceler que sai agora. A MG pode ser particularmente vulnerável a preocupações com a mistura de interesses governamentais e corporativos porque sua controladora, a Saic, é de propriedade majoritária do Estado.

As montadoras europeias observam as rivais chinesas com cautela. “Levamos todos os novos atores extremamente a sério, mas não temos medo da concorrência”, declarou em entrevista Martin Daum, membro do conselho de administração da fabricante de automóveis e caminhões Daimler.

Fonte: The New York Times.